quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O Público Alvo do D&D

Pessoal, o post de hoje foi feito para o site dos RPGArautos. Não deixem de visitar!

“Afinal, este jogo é para crianças?”

Algumas vezes já ouvi que RPG é um jogo para crianças, mas o que menos vejo são crianças jogando! Claro, uma criança pode ganhar de seus pais, ou mesmo comprar com a mesada, mas um adulto pode comprar seus livros com muito mais facilidade por ter certa liberdade financeira. Quem sabe até mesmo possua um cartão de crédito internacional, abrindo portas para muitas possibilidades de compra.

Confesso que ganhei meu D&D quando tinha uns 12 ou 13 anos, o que na verdade me enquadrava na categoria “pré-adolescente”, assim como todos os amigos que ensinei a jogar e por algum tempo fizeram parte do meu grupo. Mesmo os jogos mais simples, como “The Classic Dungeon” e “Hero Quest”, ditos como versões básicas de RPG, apesar da indicação de 8 e 10 anos, respectivamente, tiveram muito mais sucesso entre adolescentes e pré-adolescentes visto que a caixa preta da Grow “O Clássico Dungeons & Dragons” saiu antes, em 1991.

Vamos dar uma olhada então na história do público alvo do D&D quando o mesmo fora criado.


“Diversão para toda a família!”

Os norte-americanos têm uma longa tradição em jogos de tabuleiro (boardgames). É algo comum para eles e a família inteira joga, não sendo apenas um passatempo para os mais jovens, algo diferente do que fomos acostumados aqui no Brasil.

Não estou dizendo que adultos não jogam, ou que os adultos de hoje quando eram crianças, não tinham outros adultos que jogavam como referência.

O negócio é que fora os jogos de tabuleiro “tradicionais” como xadrez ou damas, jogos de cartas ou jogos de azar (qualquer jogo onde se aposte dinheiro), nosso mercado não teve a mesma base em jogos que o mercado norte-americano (falo apenas deste, pois é o que nos interessa no artigo, sendo os Estados Unidos o país que mais influenciou o RPG em sua história).

E a base disto tudo vem dos wargames.


“Fogo no buraco!”

Os wargames (jogos de guerra) são simulações de operações militares, geralmente em torno de algum conflito entre os lados participantes.

Não vamos entrar na história do wargame em sí, mas podemos dizer que quando o livro “Little Wars” de H.G. Wells (isso aí, o cara da “Guerra dos Mundos”!) foi lançado, em 1913, a proposta era usar soldadinhos de brinquedo, destes de plástico que podem ser encontrados até hoje em lojas de brinquedo e até em lojas de 1,9

9. O fato de não precisar de peças de modelismo e sim brinquedos fez com que o jogo fosse mais acessível para o público em geral, visto que os wargames anteriores eram jogados ou por pessoas do hobby ou por militares!

Apesar das batalhas travadas em solo brasileiro, temos que concordar que muitas outras batalhas ocorreram na América no Norte, portanto a história militar dos Estados Unidos é maior do que a nossa. Isto somado ao patriotismo e ao fascínio histórico fez com que jogos de guerra fossem muito populares, e esta paixão fosse aprimorada através da experiência já obtida no mercado com os jogos de tabuleiro.

Sendo assim, o jogo tanto de tabuleiro quanto o de miniaturas se tornou popular e de fácil acesso, e como parte do cotidiano, incentivado.


“Tá, mas e aí?”

Ok, então vamos voltar um pouco ao que me levou a escrever este artigo:

Certo dia, estava lendo o blog "The Lord of the Green Dragons", do Robert Kuntz, e vi uma foto dele e do Ernie Gygax, filho do Gary Gygax, quando eram crianças jogando "Stratego" (aqui chamado de “Combate”, aquele que tinha peças com patentes militares, uma peça bandeira, umas bombas e o espião), e isso me deu uma saudade do meu antigo jogo.

(Robert Kuntz jogando com os azuis, e Ernie Gygax com os vermelhos, por volta de 1968. veja a postagem original aqui.)

Procurei no Mercado Livre a mesma versão que a minha e nesta procura percebi duas coisas:

  • antigamente, os jogos vinham com figuras nos moldes norte-americanos, com cenas de uma família inteira jogando e se divertindo. Em antigas brochuras de produtos da Estrela podemos perceber isso, era muito comum.
  • as peças vinham com desenhos de rostos adultos, normais. As versões mais antigas do jogo eram apenas com a patente.

Nos dias de hoje, a impressão que temos é que os jogos são para crianças (com poucas exceções), tanto que a versão mais atual do Combate tem desenhos caricatos dos rostos, como se fosse um desenho tipo “Popeye”.

O fato de não termos um passado militar tão glorificado de certa forma faz com que os mais jovens hoje nem dêem bola para nossa própria história. Não digo que não tivemos batalhas memoráveis, apenas que não é parte do nosso ensino valorizar esta parte do passado. Se além desta falta de interesse somarmos as próprias mudanças do tempo como público alvo, notamos que os jogos hoje em dia são voltados a um público mais juvenil, e daí vem o preconceito que sendo o RPG um jogo, ele deve ser para crianças.


“Juntando as peças: onde o D&D se encaixa”

O D&D surgiu como uma variação de wargames, modalidade de jogo muito praticada por crianças e adultos lá fora. Na época, era mais comum para adultos.

Depois de se estabelecer no mercado, o D&D teve várias mudanças nas regras (deixando-as mais complexas) até que por fim a TSR decidiu que manteria duas linhas: o "D&D" e o "AD&D", juvenil e juvenil-adulto, respectivamente.

Enquanto o D&D apresentava aventuras e cenário mais “light” (definindo Mystara como seu mundo padrão), o AD&D já caminhava para lados mais sombrios, com demônios e criaturas do submundo. Isto não quer dizer que o AD&D era um jogo “para baixo”, e nem que não tivesse o “cavaleiro que salva a princesa do dragão”, mas o jogo acaba se solidificando de acordo com os jogadores.

Os jogadores de AD&D na época faziam seus heróis espelhados em personagens “conquistadores”, como Conan ou Elric. Não era popular a idéia do “herói paladino”, que busca fazer o bem pelo bem e que luta pelo “Código de Thundera”: justiça, verdade, honra e lealdade. As próprias ilustrações mostravam personagens “feios”, sujos, ou que as vezes você nem saberia dizer o quão bom era o caráter dele.

Após as caças às bruxas inicias feitas contra o RPG, e as diversas mudanças no staff da TSR (e, logo após, da Wizards of the Coast), foi resolvido que a imagem do AD&D seria do herói bonzinho e isto esta presente não apenas nas figuras como na mecânica: o meio-orc caiu fora das raças (afinal, a grande maioria dos meio-orcs eram filhos de um estupro), os “devils” e “demons” passaram para “Tanar’ris” e “Baatezus”, o Necromante era incentivado a ser apenas uma classe de NPC, e por ai vai.


“E o resultado foi...”

Com isso, o público de AD&D 1ed começou a se separar não apenas por apego às regras, mas pela própria temática mais “puritana” da 2ed e, de certa forma, isso foi se potencializando ao buscar em elementos comuns aos jovens de suas respectivas épocas fontes para as novas versões do jogo, a 3ed e a 4ed.

Hoje temos tanto crianças pequenas como adultos bem mais velhos jogando as variadas versões do jogo. Não podemos dizer que é um jogo de adultos, tampouco um jogo para crianças.

Acho que o RPG é um jogo para quem quer se divertir com os amigos, independente da idade e sexo.

Baseando-me no que H.G. Wells disse em seu “Little Wars”:


“Um jogo para garotos de todas as idades e para aquele tipo inteligente de garota que gosta de jogos e livros de meninos”.

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