Conversando hoje com os amigos Matheus Gonzaga e Manu
Venturini no grupo RPG4N (grupo do Facebook destinado ao evento de mesmo nome,
que visa agregar novos jogadores ao hobby), surgiu uma ideia interessante:
explicar como se mestra um cenário.
Ok, vamos explicar um pouco mais então.
Um cenário é um “mundo de campanha”, ou seja, um conjunto de
informações que descreve a história de uma vasta região, com seus personagens, política,
exércitos, tesouros, etc (claro, isso dentro do contexto do D&D). Dentro do
“universo” D&D, estes mundos fazem parte do Plano Material Primário (em sua
maioria), e coexistem como se fossem diferentes planetas ou dimensões (como
vemos nos quadrinhos de super heróis). Como isso tudo de encaixa, como temos
cenários e sub cenários, como eles interagem e suas diferenças é um assunto
extenso, que merece uma postagem própria (que não será essa!).
Quando Gygax e Arneson criaram o D&D, eles ambientavam
seus jogos em cenários próprios, justamente pela necessidade de situar as
aventuras em algum lugar coeso. No caso de Gygax, era o castelo Greyhawk, que
mais tarde seria expandido e um mundo seria criado em volta do lugar. Esta
prática está tão enraizada no RPG que acho improvável que os jogadores de
D&D e AD&D dos anos 90 nunca tenham criado os seus cenários.
Gygax achava estranho alguém querer usar o cenário dele,
visto que a natureza do jogo é de criação de aventuras (e consequentemente, do
próprio cenário). O próprio conceito de “por que vender aventuras prontas se os
jogadores podem criar as suas próprias?” foi amplamente discutido entre Gary
Gygax e seus companheiros.
Não entrando no mérito de criar seu próprio cenário ou não,
mas acho que todo mundo deveria passar por esta experiência, pois ajuda muito a
entender elementos de coesão e coerência ao lermos um cenário pronto. Além
disso, tudo que estará escrito a seguir são sugestões minhas, e de forma alguma
uma solução infalível ou a única forma de mestrar um cenário.
O mundo de Athas, do cenário de Dark Sun |
Primeiro Passo: Sobre o que é o cenário?
Correndo o risco de parecer contraditório com o que direi a
seguir, este passo pode ser dado lendo blogs e sites. Você se intera do “por
que esse cenário é diferente dos outros” e depois se aprofunda na leitura. No
cenário de Dark Sun (o mundo de Athas), temos um local onde a brutalidade
domina as ruas, desertos, secas e o calor matam diariamente e cada cidade é
governada por um tirano, na forma de cidade-estado. Ok, aqui já podemos ter uma
ideia básica do que se trata o cenário, e se ele não tem a ver com o tema que
procuro (por exemplo, terror gótico), em um primeiro momento é melhor continuar
procurando. No exemplo, o cenário de Ravenloft seria um bom começo. Portanto,
ler um pouco sobre cada cenário irá nos ajudar a decidir qual o tema
predominante terá o jogo (ou ainda, qual tema se enquadra melhor naquilo que
desejo mestrar).
Segundo Passo: Adquira o cenário
Pode parecer óbvio, mas ter o cenário é muito importante, e
ler informações vagas em sites e blogs não é o suficiente. Quem não tem
dificuldade em ler através de telas eletrônicas vá em frente, mas eu prefiro
ter o material em papel mesmo. Mas não
se assuste, não será necessário ler todo o livro de uma vez.
Terceiro Passo: O que é essencial no cenário?
De posse do conhecimento adquirido no passo um, vamos
procurar os pontos que diferem o cenário que você escolheu dos outros. Dark Sun
é um cenário onde todo mundo tem um tipo de poder psiônico, Ravenloft tem as misteriosas brumas que
impedem a passagem, Planescape tem pontos de viagem inter planos, etc.
Para iniciar as aventuras em um cenário, certas informações
não são vitais: não importa saber em primeiro momento que a 10 mil anos uma
chuva de fogo dividiu a terra, ou que uma ordem de magos poderosos fez com que
todos os goblins sumissem do globo. Esses dados são bacanas, mas podem ser
introduzidos mais tarde.
Quarto Passo: Ordens de poder
Este é o nome que dou a todo o grupo, humano ou divino (ou
profano!) que influencia no mundo. Um grupo de adoradores de Pazuzu pode ser
importante para uma aventura, mas podem não ser mais do que “o vilão da semana”.
Já os “Mercadores de Corpos” podem ser uma organização que se infiltra em
diversas áreas do governo, dividida em subgrupos que agem desde o roubo de
partes de corpos para vender no mercado negro até coletar o sangue de nobres
para fazer uma poderosa magia de controle. Por sorte, todo o livro de cenário
descreve seus grupos de poder, sejam deuses, exércitos ou indivíduos. Estas
informações nunca são extensas, e podem dar ótimas ideias para criar aventuras.
Verminaard, importante figura no cenário de Dragonlance |
Quinto Passo: Locais.
Não é importante saber tudo sobre todas as vilas e
lugarejos. Dentro do que você leu e escolheu nas Ordens de Poder, é
interessante ler mais sobre a região de atuação destas ordens. Isso pode fazer
com que seja necessário ler sobre as regiões vizinhas, mas repito, não é
necessário ler tudo.
Sexto Passo: Onde você começa é o começo
Esta parece vaga, mas a explicação é a seguinte: após escolher
o local no mapa que você vai começar, o grupo não se teleportará magicamente
para outro canto d globo (a menos que você queira, é claro). Deixe que explorem
bem a cidade e os arredores. Cada aventura pode apresentar um novo elemento,
como a guarda corrupta da cidade, os homens rato que vivem nos esgotos, ou a
mina abandonada na cercania, repleta de mortos vivos. A chave é apresentar aos
poucos. Se algum elemento importante esta ocorrendo na mesma época em que o
jogo se passa (uma guerra, uma praga, um ataque em massa), estes dados também
podem ser passados aos poucos. A ideia geral (“estamos em guerra, os tempos são
difíceis, fome, violência, etc”) pode ser dada, mas detalhes ficam melhor
agregados aos poucos, dando tempo para os jogadores “digerirem” e viverem
melhor a situação, e ao mestre que cada vez leia mais e se aprofunde no cenário.
Sétimo Passo: Aprofunde-se
Este é o último passo. Depois que você já escolheu o local e
os grupos de poder que interagem na região, vá expandindo aos poucos. Leia
sempre o que for mais relevante a sua aventura e ao grupo. Não perca tempo
lendo sobre os bárbaros do norte se a aventura ocorre no norte, em ilhas tropicais.
Claro que eventualmente será interessante, e o grupo pode vir a confrontar os
bárbaros, mas em um primeiro momento, deixe para depois.
Oitavo Passo: O mundo é seu
Mesmo que seja um mundo pronto, ela é aberto para você mudar
como quiser. Não tenha medo de fazer algo diferente, de trocar a região de
Ordens de Poder, de fazer um cara bonzinho virar vilão, de mudar o tesouro de
uma aventura pronta. Se você tem uma razão para estas mudanças, e acredita que
irão agregar mais diversão e boas historias na sua campanha, vá em frente!
Nenhum Forgotten Realms deveria ser igual ao outro, assim como nenhuma aventura
pronta é jogada da mesma forma por todos. Não existe certo ou errado, existe a
sua leitura do material apresentado, e por isso, divirta-se expandindo e
alterando da forma que você achar melhor.
Muito bom Beltra!
ResponderExcluirEu to no final de uma campanha no micro-cenario Lodoss War, foram 2 anos e mais de 15 niveis de personagem e até hoje tem um reino não visitado pelo grupo.
Acho ruim a galera se empolgar com o cenario e forçar a barra com teleportes e outras paradas sem coerencia so para fazer o grupo visitar cada lugar legal do cenario..... acho q um cenario pode ser explorado em vaaaarias campanhas diferentes e ainda assim daria pano pra manga
Vejo que essa matéria é um guia quase definitivo de como ler e apresentar cenários. Já fazia exatamente isso, mas não fazia de forma consciente. Ótimo post.
ResponderExcluirÓtimo post Rafael. Abriu minha visão para certas coisas quando estiver escrevendo um cenário.
ResponderExcluirAGORA QUE EU LI, eu adorei o post, me tirou dúvidas e esclareceu um pouco as ideias.
ResponderExcluirEu sempre soube que podia mexer no cenário e na trama do jeito que eu quisesse, mas sempre tive receio de fazer isso e o pessoal não curtir =\
Agora estou mais confiante =D
Muito bom mesmo =]
Curti bastante, vai me ajudar com minha dissecação dos Reinos de Ferro! (:
ResponderExcluirEu jogava RPG no começo da adolescência com um grupo de amigos, mas a gente não sabia muito bem as regras, porém abusávamos da criatividade. Não respeitávamos muito a ideia de nível e nem tínhamos um padrão coerente para o jogo dos dados, muito menos sabíamos de cenários já existentes, mas em contrapartida criávamos estórias fantásticas onde a grande essência do jogo era envolver os personagens em tramas que iam sendo descobertas aos poucos. Os cenários eram desconhecidos pelos personagens que iam descobrindo a medida que iam jogando e fazendo suas escolhas. Os personagens começavam sozinhos, vindo a se encontrar também a partir das escolha que tomavam no jogo, além de todos terem uma estória de vida já preconcebida pelo mestre, onde geralmente essa estória tinha alguma coisa a ver com a trama e com outros personagens . Enfim o jogo não se bastava em ficar jogando dado e matando monstros pra subir de nível, pelo contrário a criatividade e a sensação de estar vivendo uma estória era o grande carro chefe da brincadeira. No entanto eu me arrependo de não ter estudado melhor sobre o jogo na época, com certeza unir isso tudo com o conhecimento de cenários, de magias, classes, acessórios e tudo mais deveria ficar muito mais divertido.
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